Na última semana, o governo anunciou a possibilidade de fracionar a vacina da febre amarela para que uma dose possa “render” cinco aplicações. Isso significa que cada ampola, que contém 10 doses para vacinar 10 pessoas,  será diluída para fornecer 50 aplicações e vacinar, portanto, 50 pessoas.

A grande pergunta é: as pessoas devem ficar felizes e seguras, uma vez que conseguirão a tão procurada vacina, ou devem ficar apreensivas e inseguras com a possibilidade de terem sido ludibriadas e não estarem efetivamente protegidas contra esta doença que pode matar?

Pois é. Esta estratégia de “diluir” a vacina foi utilizada em Angola em uma situação muito diferente da nossa: o país passava por uma epidemia de febre amarela urbana (a nossa é silvestre) e não havia vacinas disponíveis para todos. Tratava-se, portanto, de uma situação de extrema necessidade de contenção da epidemia.

O surto atual de febre amarela no Brasil é silvestre. Isso significa que é transmitida por mosquitos (Haemagogus e o Sabethes) que vivem nas matas e na beira dos rios. Estes mosquitos picaram macacos contaminados e depois picaram pessoas que adoeceram. Por isso há relato de mortes de macacos nas regiões acometidas. As pessoas contaminadas necessariamente estiveram nestas regiões endêmicas.

No Brasil, não há relatos de febre amarela urbana, transmitida pelo Aedes aegytpi, desde 1942.

A diluição da vacina garante proteção, segundo os estudos. Mas por um período muito menor. Exatamente 10 vezes menor. Isto quer dizer que as pessoas supostamente ficarão protegidas por apenas 1 ano, e não por 10 anos como acontece com a dose não fracionada.

Vale a questão: e depois de 1 ano? Será que o surto já terá acabado? Ou será necessário  vacinar todo mundo de novo? Qual seria o efeito de múltiplas doses diluídas na população? Não se sabe! Sabe-se, isto sim,  que muito provavelmente as regiões endêmicas continuarão endêmicas em 2018. Vale dar uma proteção em muita gente por um ano apenas?

Sabemos que os estoques  de vacinas do mundo, aí incluídas  as vacinas  da  nossa própria  produção em Bio-Manguinhos, Fiocruz, não é suficiente para suprir as demandas nacionais. As filas enormes nos postos de saúde e relatos de pessoas que não conseguiram ser vacinadas já fazem parte das nossas notícias cotidianas.

O ministro da saúde afirmou que a diluição da vacina “significa um conforto à população. Estamos atendendo a uma ansiedade”.

Claro que estamos ansiosos! Com toda razão de estarmos. A saúde pública no Brasil é um caos explícito. Não é confiável. Hospitais lotados, sem a menor condição de oferecer o atendimento decente que a população merece. Unidades Básicas de Saúde sem credibilidade e sem garantir à população  segurança e a resolutividade que se espera da Atenção Primária à Saúde.

Claro que estamos ansiosos! Mais ainda com esta notícia da possibilidade de diluir a vacina da febre amarela.

Esta é uma solução provisória, questionável sob o ponto de vista científico e que, ao contrário do que espera o Ministro, pode trazer mais desconfiança, insegurança  e incredibilidade para a população.

Nesta difícil situação de escassez de vacinas, talvez  mais importante do que vacinar indiscriminadamente todo mundo – aí incluídos os que estão em regiões urbanas de áreas não endêmicas, que não necessitariam da vacina-  seja bloquear o surto, vacinando as pessoas que EFETIVAMENTE a necessitam  por estar em regiões de risco real.

Este país é grande – não só territorialmente-  e é essencial entender que há por aqui grandes e excelentes especialistas no assunto, internacionalmente renomados, que podem contribuir – em muito –  com soluções cientificamente mais plausíveis, confiáveis e seguras para todos nós.

Se o governo realmente quiser nos deixar menos ansiosos, converse com quem entende do assunto. Faça-se um grupo de trabalho que defina prioridades e metas a curto, médio e longo prazo e que explique com clareza e seriedade para a população todos os seus passos. A confiança no que se sabe correto é que diminuirá  a ansiedade de todos.

Com a palavra, nossos especialistas.