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Família de Japeri há 4 gerações é matéria do Extra


Por Redação

2015-785056215-2015012371313.jpg_20150123A família Bernardo Serra se faz a mesma pergunta há quatro gerações: “Por que moramos ao lado do Rio Guandu e nunca tivemos água?”. Dona Maria Lourenço, de 47 anos, se recorda de quando era pequena e ajudava os pais a carregar o precioso líquido. No bairro Jardim Transmontano, em Engenheiro Pedreira, Japeri, na Baixada Fluminense, hoje quem coleta água é seu neto, o pequeno Marco Antônio, de 6 anos. No clã, o incômodo e cansativo serviço já se aprende na infância, há mais de cinco décadas.

— Consigo trazer duas garrafas cheias, no ombro e no braço — diz a criança, interrompida pela prima Gabriele Batista, de 29 anos:

— Este garoto é guerreiro. Sempre ajudou a gente. Mesmo no sol quente.

O elogio se estende a Maria, matriarca da família:

— Esta mulher, então, nem se fala. Foi muita lata d’água na cabeça que ela carregou.

Na Rua Sotelo, onde dona Maria vive com seis irmãs, 16 sobrinhos, 11 filhos e dez netos, espalhados em cinco casas, não há água encanada nem hidrômetros. O asfalto chegou há cerca de dois anos para algumas ruas do bairro. Mas ainda não para a rua dos Bernardo Serra.

Enquanto o abastecimento não chega, e as promessas de universalizar o acesso à água não se concretizam na Baixada Fluminense, a família enfrenta mais de 50 anos sob severo racionamento. Volta e meia, recorrem a uma mina próxima, em busca de água.

— São muitos anos de sofrimento, principalmente para as crianças — desabafa Maria Lourenço, que diz ter perdido a conta de quantas vezes enfrentou períodos longos de seca total.

Quando ela era criança, o pai carregava água “na balança”, termo comum para os moradores da região e que Maria utiliza com naturalidade. Falecido em 2008, aos 60 anos, o pintor de paredes Armando Bernardo colocava uma vara de madeira nos ombros com dois ganchos na ponta. Era onde vinham pendurados dois galões de água.

— São muitos anos carregando água. E água carregada não rende. Lembro que a minhã mãe (a faxineira Maria José Lima da Silva, morta aos 55 anos, em 2003) vinha com as latas na cabeça. Eu ajudava também, como, agora, faz o Marco Antônio — recorda Maria Lourenço.

Nos últimos anos, a água para beber tem brotado da solidariedade de ex-vizinhos, que, antes, viviam na Rua Sotelo e não suportaram conviver com a crônica falta d’água.

— Eles foram morar próximo à linha do trem (a 20 minutos de caminhada da Rua Sotelo). E lá eles têm abastecimento. Como já viveram aqui e sabem do nosso sofrimento, nos ajudam sempre — diz o estudante Igor Bernardo Serra, de 17 anos, filho de Maria e um dos parentes acostumados a carregar água desde… sempre.

O antigo problema da falta d’água em Jardim Transmontano produz cenas difíceis de se conceber em pleno século 21: mulheres lavando roupas à beira de uma mina, em tanques improvisados.

— Os tanques foram destruídos há pouco tempo. Hoje, as pessoas usam bacias mesmo — diz Maria, que até hoje não entende por que a água não chega:

— O Guandu é atrás de nós.

Fonte: http://extra.globo.com/noticias/rio/racionamento-ha-4-geracoes-em-japeri-familia-convive-ha-50-anos-com-falta-dagua-15141614.html